Matéria censurada no jornal O Estado de São Paulo
substituída por versos de Camões
“Um dia vieram e levaram meu vizinho que
era judeu.
Como não sou judeu, não me
incomodei.
No dia seguinte, vieram e
levaram meu outro vizinho que era comunista.
Como não sou comunista, não
me incomodei.
No terceiro dia vieram e
levaram meu vizinho católico.
Como não sou católico, não
me incomodei.
No quarto dia, vieram e me
levaram;
já não havia mais ninguém
para reclamar...”
Martin Niemöller, pastor luterano que recebeu o
Prêmio Lênin da Paz em 1966
A censura brasileira foi bastante atuante nos tempos do regime militar e nem todos os brasileiros se deram conta do alcance de tal aberração. Nos
jornais O Estado de São Paulo e seu filhote Jornal da Tarde quase diariamente matérias
eram cortadas pelos censores, substituídas por versos de Camões e receitas culinárias exatamente nos espaços censurados. A censura agiu com mão forte também
no reacionário jornal Pasquim, no teatro, no cinema, na música, em outros
jornais e revistas brasileiros.
O Pasquim sofreu intensamente com a censura: seus jornalistas, escritores e colaboradores chegaram a ser presos, mas como não se intimidaram, as autoridades da época ameaçaram os donos de bancas de jornais: se continuassem com a distribuição do Pasquim, as bancas seriam destruídas. Foi o fim do jornal.
Os artistas provavelmente foram os que mais sentiram na
carne a mão forte da censura: peças de teatro e letras de músicas eram sistematicamente
vetadas por “infringirem” a linha limítrofe entre entretenimento e eventuais
mensagens políticas inseridas em seus contextos. A criatividade foi
inteiramente cerceada.
Naquela época, a publicidade também foi muito visada: todos
os materiais que nós, publicitários, enviávamos para publicações no Exterior,
passavam obrigatoriamente pela Polícia Federal. Em 1973 eu estive pessoalmente
frente a censores em escritório da PF, à Rua Xavier de Toledo São Paulo, para
liberar anúncios desenvolvidos pela minha agência de propaganda. Os anúncios foram
criados para um cliente, se destinavam a publicações na Holanda e Bélgica por
ocasião da primeira Feira Brazil-Export no Exterior, em Bruxelas, e foram
meticulosamente examinados pelos censores antes da aprovação. O pacote para a
remessa era lacrado, autenticado e só então poderia ser enviado ao Exterior.
Aqueles que minimamente tomaram conhecimento dos horrores
provocados pelo nazismo, certamente já assistiram ou leram sobre a técnica
nazista que consistia em promover pessoas de baixo nível social e intelectual
para postos importantes nas tropas das famigeradas “SS”, que eram as “Tropas de
Proteção” ligadas ao partido nazista e comandadas por Himmler. Assim, o
ex-carteiro, o ex-alfaiate, o ex-açougueiro e até o ex-inútil da aldeia, subitamente
se viam uniformizados e guindados à posição de carrascos daqueles judeus,
ciganos, padres, pederastas, negros e outros grupos étnicos minoritários aos
quais até então serviam. Aproveitavam a oportunidade para destilar suas
frustrações, seu sadismo, sua raiva e sua incompetência infligindo-lhes
torturas, castigos e até a morte.
Pois a censura não difere muito destes métodos. Ou seria
possível alguém acreditar que na época do regime militar no Brasil os censores fossem professores-doutores, mestres em literatura ou pessoas dotadas de um grau mínimo
de intelectualidade para censurar com olhar profissional e competente os
materiais a eles apresentados? Espalhados por todas as cidades brasileiras? Os censores da época com certeza não
eram luminares da inteligência brasileira. Os diálogos foram ásperos,
primitivos e ai de quem ousasse tecer qualquer comentário a respeito: a
“otoridade” se faria valer!
Censura caminha sempre de braços dados com o autoritarismo. Uma não
pode viver sem o outro. E a História está recheada de exemplos. Pena que sejam esquecidos.
JEB